terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Para a CUT, está em curso um AI-5 da Copa



Por Fernando Exman  - Valor 28/02
De Brasília

BRASÍLIA - A Central Única dos Trabalhadores decidiu dar início a uma investida no Congresso para alterar o texto da proposta de Lei Geral da Copa. Em outra frente de batalha, a CUT tentará impedir a aprovação pelo Senado de proposta capaz de limitar o direito a greve de trabalhadores de setores considerados "essenciais" ao evento.

As propostas da CUT já foram apresentadas ao relator da Lei Geral da Copa, deputado Vicente Candido (PT-SP), e aos senadores autores do projeto de lei 728/2011 (ver quadro nesta página). Têm como objetivo garantir direitos dos trabalhadores. No entanto, poderão criar embaraços à Federação Internacional de Futebol (Fifa), Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e empresas envolvidas na organização da Copa de 2014 e da Copa das Confederações. A aprovação da Lei Geral da Copa é uma das prioridades do Executivo no Congresso e tem sido causa de atritos entre o governo e a Fifa.

"A Copa e a Olimpíada devem deixar um legado no país, inclusive nas relações do trabalho. Eles querem toda proteção para os investimentos deles, e nós que eles deixem um legado para a nação", afirmou o secretário de Relações do Trabalho da CUT, Manoel Messias. "Não podemos criar um estado de exceção durante a Copa."

Após seguidos impasses em relação a alguns temas polêmicos, a comissão especial criada na Câmara dos Deputados para analisar a Lei Geral da Copa deve votar a proposta nesta semana. Já o projeto 728/2011, apresentado pelos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Walter Pinheiro (PT-BA) e Ana Amélia Lemos (PP-RS) em dezembro do ano passado, tramita nas comissões de Educação, Cultura e Esporte, Desenvolvimento Regional e Turismo, Assuntos Sociais, Relações Exteriores e Defesa Nacional e de Constituição e Justiça do Senado.

O projeto dos senadores regulamenta a punição a crimes e infrações relacionados à realização da Copa das Confederações e da Copa de 2014, como terrorismo, falsificação de ingressos e credenciais e outras ações que possam prejudicar o desempenho dos atletas.

Os senadores também pretendem permitir que a Justiça, de forma cautelar, possa proibir que determinados indivíduos entrem em estádios de futebol por até 120 dias, reter passaportes e suspender as atividades de torcidas organizadas

A insatisfação dos sindicalistas é tamanha que o projeto chegou a ser apelidado de "AI-5 da Copa".

A ideia dos senadores é obrigar, em caso de greve, a manutenção de 70% da força de trabalho nos setores de saneamento básico, construção de estádios ou obras de mobilidade urbana, energia, telecomunicações e transporte. A regra valeria entre os três meses que antecedem a Copa de 2014 e a Copa das Confederações até o fim da realização dos dois eventos.

Representantes da CUT devem se reunir nos próximos dias com os autores do projeto 728/2011 para tentar modificá-lo. A princípio, não devem ter maiores dificuldades: o próprio Walter Pinheiro, líder do PT na Casa e um dos coautores da proposição, já disse concordar em rever alguns pontos da proposta.

"Vamos fazer uma conversa com a CUT. A intensão era evitar que num período tivesse um nível de fragilidade, mas não queremos impor restrições aos trabalhadores", ponderou Pinheiro, segundo quem o Executivo não influenciou a redação da proposta. "É importante que a gente tenha um pouco mais de cuidado para que não seja criado nenhum absurdo. Ficou um pouco excessivo o projeto."

Na Câmara, os principais interlocutores dos sindicalistas para esse assunto são os líderes partidários da base aliada e o relator da Lei Geral da Copa. Até agora, porém, apenas duas das sete demandas da CUT já foram acolhidas pelo deputado Vicente Candido. Nos próximos dias, o presidente da central sindical, Artur Henrique da Silva, e outros dirigentes da entidade deverão ter novas reuniões com os parlamentares para tratar do tema.

As duas propostas da CUT que devem constar do parecer de Vicente Candido são a que coloca à disposição pelo menos 50 mil ingressos para os jogos da Copa aos operários que trabalharem nas obras dos estádios e a inclusão do tema "defesa do trabalho decente" nas campanhas de publicidade oficiais do evento. "Queremos mais. Um compromisso retórico não é suficiente", disse Messias.

Uma outra sugestão da CUT tenta garantir o direito de livre exercício da profissão aos vendedores autônomos e ambulantes devidamente cadastrados pelas prefeituras das cidades que sediarão a Copa de 2014 e a Copa das Confederações, impedindo assim a imposição de restrições aos profissionais que não forem credenciados pela organização dos eventos. A central também quer que fique explícito na Lei Geral da Copa o pleno direito à realização de greves "a todos que estiverem de algum modo ligados às atividades da Copa no Brasil".

Os sindicalistas tentam ainda regulamentar o trabalho voluntário no período. A finalidade é evitar que a atividade reduza a oferta de empregos e promova a precarização do trabalho.

A cadeia de fornecedores, prestadores de serviços e parceiros comerciais da Fifa e da CBF também estão na mira da CUT. O texto de uma das emendas sugeridas pela entidade tenta proibir que essas empresas participem do evento se estiverem envolvidas em casos de trabalho escravo, infantil ou degradante. Os sindicalistas querem também que os contratos com essas companhias só sejam firmados após a apresentação de certidões negativas de débitos trabalhistas.

Depois de passar pela comissão especial, a proposta de Lei Geral da Copa seguirá para o plenário da Câmara dos Deputados. Em seguida, será analisada pelo Senado e enviado à sanção presidencial.



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Trabalhadores em obras de estádios ameaçam entrar em greve em março

Valor 03/02

Os 25 mil trabalhadores que hoje estão à frente das obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014 podem cruzar os braços em março, uma greve nacional capaz de comprometer o cronograma de conclusão das 12 arenas do torneio. A ameaça de paralisação é assinada pelas principais centrais sindicais do país, como Força Sindical, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Sindical Internacional (CSI) e Federação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada, além de sindicatos estaduais que representam os profissionais da construção civil.

Até o dia 15 uma comitiva formada por lideranças sindicais das 12 cidades-sede estará em Brasília para apresentar uma proposta única de piso salarial e de benefícios para todo o país, independentemente de onde o trabalhador esteja. "Se não houver diálogo e não se chegar a um acordo, são grandes os riscos de realizarmos uma paralisação nacional", diz Adalberto Galvão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada e Montagem Industrial da Bahia (Sintepav-BA), vinculado à Força. "O setor amadureceu muito e hoje os trabalhadores da construção civil têm consciência de seu papel no crescimento do país. Essa é uma oportunidade única para diminuirmos parte das discrepâncias na distribuição de renda do país."

O Valor teve acesso à pauta de reivindicações que será entregue na reunião que deve ter a participação da Secretaria Geral da Presidência, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), além de sindicatos patronais. Os sindicalistas querem piso nacional unificado de R$ 1,1 mil para ajudantes de obras, profissional que hoje ganha cerca de R$ 600 na região Nordeste. Para carpinteiros e pedreiros, o pleito é de R$ 1.580, quando a média atual é de R$ 1,2 mil. A cesta básica requerida é de R$ 350. Os planos de saúde, muitas vezes limitados ao trabalhador, deverão ser estendidos às suas famílias. Quanto à hora extra, o pedido é que o percentual pago seja de 100% durante os dias de semana, diante da média de 50%, como acontece na maioria dos Estados. Finalmente, os trabalhadores querem folga de cinco dias úteis consecutivos a cada 60 dias trabalhados, para visitar familiares, com custo de transporte bancado pelas empresas.

A reivindicação para que haja um piso nacional para os trabalhadores, conforme defendem os sindicatos, se apoia no fato de que a formação de preço das licitações das obras é muito semelhante em todo o país, além das obras estarem concentradas nas mãos de poucas construtoras. "Queremos uma solução nacional. Não adianta mais beneficiar apenas um Estado, se os outros continuam em situação complicada", diz João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.

A proposta de padronização do piso salarial dos trabalhadores em todo o país é a etapa mais sensível de um processo iniciado em março do ano passado, quando explodiu a revolta dos trabalhadores da hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho (RO). De lá para cá, um comitê tripartite reuniu em volta da mesma mesa o governo federal, sindicatos e empresas para encontraram propostas de melhoria de condições de trabalho e segurança. Algumas promessas saíram do papel, com a extinção dos contratos terceirizados até então realizados pelas empreiteiras - evitando a famosa participação dos "gatos" nas obras - e a obrigação de contratação de pessoas cadastradas no Sistema Nacional de Emprego (Sine). A questão salarial, no entanto, não foi tocada.

"Temos a oportunidade única de resolver essas diferenças de renda de uma vez por todas. Não é mais possível que pessoas que estejam produzindo um mesmo tipo de obra fiquem sujeitas a condições totalmente desiguais", diz Nair Goulart, presidente-adjunta da Confederação Sindical Internacional (CSI).

Na prática, os sindicatos querem que o piso da classe seja ajustado a valores próximos aos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro. "Um bancário ganha o mesmo salário-base no país inteiro. Por que não podemos ter o mesmo direito, se estamos tratando de obras similares e do mesmo grupo de construtoras e fornecedores?", pergunta Claudio da Silva Gomes, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), vinculado à CUT. "Esse é um momento crucial para o setor e é dessa forma que iremos tratá-lo. Se não houver acordo, uma paralisação nacional pode ocorrer sim, envolvendo inclusive outras obras de grande porte, não apenas os estádios da Copa."

Há alguns dias, os trabalhadores das arenas de Salvador e Recife estão paralisados. No ano passado, movimentos grevistas afetaram as obras no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Cuiabá e Porto Alegre.

Para Nilson Duarte Costa, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) no Rio, a reivindicação nacional "é justa", mas ele coloca em dúvida uma paralisação de 100% das obras do país. "Sabemos que os salários pagos do Rio são o dobro dos salários de Fortaleza, mas isso foi conseguido com muita luta no Estado", comenta. "Continuamos lutando por melhorias por aqui, mas essa mobilização exigiria um grau de conscientização que, honestamente, ainda não vejo."

Estima-se que as obras de construção e reforma dos estádios vão consumir cerca de R$ 7 bilhões em investimentos. O cronograma mais recente prevê que nove arenas sejam entregues até dezembro deste ano. No caso de Manaus, o prazo é junho de 2013, enquanto São Paulo e Natal têm data para dezembro de 2013.