segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Governo quer Copa com ingressos populares


Valor 10/10

O governo negocia com a Federação Internacional de Futebol (Fifa) descontos substanciais no preço dos ingressos para a Copa do Mundo de 2014. O número máximo de "entradas populares" poderia ser definido, segundo apurou o Valor, de acordo com um percentual sobre a capacidade de público dos estádios ou a localização dentro das arenas - por exemplo, em áreas como as situadas atrás das balizas.

O tema foi tratado pela presidente Dilma Rousseff e o ministro dos Esportes, Orlando Silva, com o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, durante sua visita a Bruxelas, na semana passada.

O subsídio aos ingressos estará no centro da discussão entre Fifa e governo marcada para esta semana no Brasil, com a diretoria jurídica da Fifa, de Zurich. A presidente quer empurrar a conta para a Fifa porque considera, segundo auxiliares, que o governo já faz sua parte ao financiar a construção de estádios e investir pesado em mobilidade urbana e na infraestrutura das cidades-sede.

Na conversa, Dilma também fechou posição de não alterar a legislação federal, como o Estatuto do Idoso, que prevê desconto nos ingressos para esse público. O governo decidiu deixar a Estados e municípios o ônus de negociar o direito à "meia entrada" para estudantes e a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Governadores e prefeitos devem ceder nesses pontos, avalia o governo federal. Assim, o desgaste não recairia sobre o Palácio do Planalto.

Como pano de fundo dessa ofensiva do governo brasileiro, está a estratégia de agradar uma fatia menos abastada do público, neutralizando a oposição contra a eventual pecha de Copa das elites. O Palácio do Planalto também avalia que a medida garantiria um público razoável em jogos de menor apelo, como um hipotético, e improvável, jogo entre Romênia e Honduras, por exemplo. Na Copa da África do Sul, em 2010, a Fifa teve que distribuir ingressos de forma gratuita por falta de interesse em alguns jogos. Na Copa das Confederações, em 2009, a Fifa distribuiu entradas para o jogo entre Espanha e Iraque, em Bloemfontein.

"É natural que haja alguns pontos de questionamentos, mas o governo acredita que é possível encontrar um caminho para atender a Fifa e, ao mesmo tempo, preservar o direito do cidadão", disse ao Valor o secretário nacional de futebol do Ministério do Esporte, Alcino Reis.

Segundo Reis, que acompanhou a comitiva brasileira na semana passada, o governo vai buscar uma forma de centralizar as decisões, mas o martelo não será batido sem ouvir cada uma das 12 cidades-sede dos jogos. "Vamos estudar agora as opiniões da Fifa. Podemos concordar com eventuais ajustes. O governo está disposto a buscar soluções nacionais", comentou.

O secretário, no entanto, minimizou efeitos práticos de novas leis que pudessem legislar sobre temas como a venda de bebidas nos estádios e a meia-entrada para estudantes. "Uma lei nacional não tem poder de substituir uma lei local. Isso não resolve. Nosso esforço é para que a Fifa compreenda isso e aceite os direitos que já foram dados a setores da sociedade."

Segundo Reis, quando o Brasil apresentou suas garantias à Fifa, a meia-entrada não foi tratada. O que estava estabelecido é que a instituição regula o preço dos ingressos, mas não os direitos locais concedidos a determinado público.

Reis também acredita numa solução pacífica para a venda de bebida nos estádios. "A experiência que se tem nas Copas é de que a comercialização de cerveja nos estádios não causa nenhum problema relacionado à segurança", disse. "Uma coisa é proibir a venda de bebidas em situações com torcidas organizadas de clubes. Outra coisa são jogos de Copa, que não têm histórico de confronto."

Na semana passada, após o encontro com a Fifa, o governo se reuniu com grandes patrocinadores da Copa, como Itaú, Visa, Ambev, Mc Donald's Oi e Coca-Cola, para fechar um plano de promoção do evento. Durante o encontro, diz Reis, o governo fez questão de deixar claro que a possibilidade de o país perder a Copa para outro país "foi absolutamente afastada".

No Congresso, pressões já começaram

Por Caio Junqueira De Brasília

O Congresso Nacional só deverá aprovar o projeto da Lei Geral da Copa em 2012, contrariando a expectativa, do governo federal e da Fifa, que a legislação já pudesse ser promulgada até o fim do ano. Sem ela, a venda de ingressos dos jogos não pode ser iniciada.

A principal razão que sustenta essa previsão - além do próprio atraso do governo em enviar a proposta para o Legislativo - é que muitos temas polêmicos envolvem o texto, e os grupos de pressão já se mobilizam na Câmara para alterá-lo ou impedir novas modificações

São três os mais lembrados, que estarão em debate na comissão especial da Lei Geral da Copa: a possibilidade que idosos e estudantes paguem meia-entrada para assistir aos jogos nos estádios; a eventual especificação e ampliação da pena para a pirataria e a "venda casada", pelas agências de turismo, de pacotes que incluam transporte aéreo, hospedagem e o ingresso das partidas - prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Para cada um desses pontos, serão convocados para debater entidades e especialistas nos assuntos, que encontrarão parlamentares também ligados a cada setor. Por essa razão, a maior parte dos 26 deputados que irão compor a comissão especial é ligada a áreas específicas da legislação e, assim como os grupos de pressão, também não estão interessados em ceder. Muito menos em fazer suas bases eleitorais perderem espaço na Copa do Mundo de 2014.

O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), por exemplo, um dos defensores dos idosos na Câmara, integrará a comissão e já avisou que não aceitará qualquer suspensão de direitos dos idosos no período da Copa. "Estou lá para garantir o cumprimento do Estatuto do Idoso. O time dos velhos é mais forte que o deles", disse, confrontado com a hipótese de que o trecho do estatuto, que concede meia-entrada a maiores de 60 anos, seja suspenso durante a Copa.

Já Otávio Leite (PSDB-RJ), ligado ao setor de turismo, deve focar sua atuação nessa área. "Queremos regras que facilitem o acesso do turista e preços competitivos", disse. O PCdoB confiou a Jô Moraes (MG) a tarefa de garantir a meia-entrada também a estudantes, principal base eleitoral da legenda.

O governo, contudo, escalou um dos seus vice-líderes, José Guimarães (PT-CE), para impor seus interesses. As orientações serão dadas nesta semana, pois a presidente Dilma Rousseff já voltou da viagem que fez à Europa, onde se encontrou com o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. Na conversa, Dilma deixou claro que não pretende alterar a legislação federal.

O Congresso Nacional, porém, pode não aceitar isso tão facilmente. "Precisamos respeitar a soberania nacional e garantir os direitos sociais, mas também entender que o Brasil assinou um contrato com a Fifa. Temos que fazer essa legislação considerando isso", disse o presidente da comissão especial, deputado Renan Filho (PMDB-AL). Ele será auxiliado no trabalho pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da comissão e também vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF).

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