quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Crise ameaça fechar clubes no futebol espanhol



Por Ian Rogers
Reuters, de Madri

Agora que o abrangente pacote de austeridade do novo governo espanhol começa a se fazer sentir, vai se tornar cada vez mais urgente a necessidade de os ricos clubes Real Madrid e Barcelona concordarem com uma distribuição mais equitativa das receitas de TV.

Já afundada em dívidas e sob pressão do custo crescente de salários e transferências, a maioria dos 42 clubes profissionais na Espanha está se preparando para uma possível nova recessão, mais aperto nas receitas de publicidade, aumento de impostos e uma crescente relutância - de bancos em dificuldades e autoridades locais obrigadas a economizar - a conceder empréstimos e ajuda financeira.

A confluência desses fatores, após anos de gastança e má gestão, poderá até implicar o desaparecimento de alguns dos clubes mais afetados, segundo Anjo Barajas, professor de gestão financeira na Universidade de Vigo. "Poderemos ver alguns clubes sendo administrados por interventores, mas incapazes de sanear suas contas em prazos determinados pelos tribunais e condenados à extinção."

A venda dos direitos de TV da Liga espanhola, ao contrário dos demais campeonatos europeus, é negociada individualmente, clube a clube, e rende cerca de € 600 milhões (US$ 768 milhões). O Real e o Barça, juntos, apropriam-se de cerca de metade desse total.

Esse predomínio significa que podem se dar ao luxo de comprar os melhores jogadores e pagar salários altíssimos, enquanto muitos rivais são obrigados a apelar à concordata após uma luta inútil para manter a sua competitividade.

Um estudo publicado em junho por José Maria Gay, professor de contabilidade da Universidade de Barcelona, mostrou que os 20 clubes na primeira divisão espanhola tinham, juntos, uma dívida em torno de € 3,48 bilhões no fim da temporada 2009-10. Some-se a isso outros € 550 milhões devidos pelas 22 equipes da segunda divisão, e o resultado é que o futebol profissional espanhol deve € 4 bilhões.

Os clubes devem cerca de € 700 milhões somente em impostos, segundo reportagem publicada no mês passado pelo jornal "El País".

A Liga precisa urgentemente promover uma reestruturação financeira total, particularmente em vista das novas orientações econômicas da Uefa que entrarão em vigor e incluem sanções contra os clubes que gastam mais do que ganham, dizem analistas.

A adoção de um sistema de negociação coletiva dos direitos de TV ajudaria a impedir que mais clubes entrem em dificuldades e voltaria a tornar a liga mais competitiva, acrescentam eles.

"A solução é colocar em prática um plano de socorro sério, o que permitiria o acesso dos clubes a dinheiro para liquidar suas dívidas mais prementes", disse Gay. "O pré-requisito é que os clubes centralizem os direitos de transmissões de TV e pactuem uma maneira séria e eficaz de administrá-los."

"Até que seja dado esse passo à frente, as finanças dos clubes espanhóis continuarão a deteriorar-se, com números cada vez mais assustadores em sua contabilidade."

Um estudo realizado no ano passado pela consultoria Sport+Markt mostrou que o Real e o Barça ganharam quase 19 vezes mais, com TV, do que os menores clubes da primeira divisão espanhola, a maior desigualdade nas principais ligas europeias.

Os mais ricos clubes ingleses, que dispõem de um sistema de compartilhamento de renda, faturaram cerca de 1,7 vez mais do que seus concorrentes menores. No entanto, apesar da pressão de competidores nacionais, como Sevilla e Villarreal, os dois maiores na Espanha têm mostrado poucos sinais de disposição para ceder terreno.

Autoridades disseram que a partir da partir da temporada 2015-16, quando novos contratos de TV entrarão em vigor, a dupla estará disposta a compartilhar parte do dinheiro extra que foi negociado com as empresas de mídia sem reduzir suas receitas atuais.

Entretanto, analistas dizem que isso provavelmente apenas consolidaria a dominação desses clubes, e é preciso observar que no atual clima econômico não há certeza de que os valores fixados nos novos contratos serão reajustados para cima. "Todos sabemos por que há 27 clubes sob intervenção administrativa", disse Carlos Gonzalez, presidente do Córdova, time da segunda divisão, à mais recente edição da revista da liga de futebol profissional. "Estou convencido de que nenhum dos presidentes vem roubando, mas muitos deles pensaram que os clubes eram como se fossem brinquedinhos por meio dos quais eles poderiam canalizar negócios para suas próprias empresas", acrescentou.

"Então, naturalmente, quando a crise chegou, tudo desmoronou. As receitas das bilheterias, dos sócios dos clubes e da publicidade está caindo sem parar e não temos ideia de quanto dinheiro vamos receber das TVs no futuro. Estamos em crise, assim como o resto do país e todo o mundo ocidental."

O Partido do Povo, organização política de centro-direita atualmente no poder na Espanha, disse que planeja incentivar o Real e o Barça a negociar um consenso com seus rivais para uma distribuição mais justa do dinheiro da TV.

No entanto, diversos analistas, entre eles Plácido Rodriguez, professor de economia na Universidade de Oviedo e ex-presidente do clube Sporting Gijón, não acreditam que o governo terá tempo ou inclinação para resolver os problemas do futebol.

"Não haverá um novo plano financeiro para equacionar as coisas", disse Rodriguez à Reuters.

"Em vista de tudo o que o governo tem de enfrentar, [as autoridades] não estão em condições de atacar os problemas no mundo do futebol", acrescentou ele. "Elas já estão suficientemente ocupadas tentando solucionar os problemas no setor bancário."

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